A DISPUTA MUNDIAL PELA TECNOLOGIA 5G

RESUMO

A quinta geração de sistema sem fio (5G) promete revolucionar as telecomunicações e se tornará um recurso estratégico a ser utilizado por potências como os Estados Unidos e a China. Nesse sentido, o artigo abordará a questão que compreende ambos os países na corrida envolvendo o monopólio da tecnologia 5G e as restrições impostas à Huawei –  empresa chinesa líder nesta tecnologia atualmente – a fim de postergar os avanços da companhia e uma provável implantação do 5G chinês em países como o Brasil. Neste país um leilão de  frequências da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) decidirá a empresa a executar tal atividade, decisão que divide opiniões dentro do governo do atual presidente. 

Palavras-chave: 5G; Estados Unidos; China; Brasil; Huawei.

ABSTRACT

The fifth generation wireless system (5G) promises to revolutionize telecommunications and will become a strategic resource to be used by powers such as the United States and China. In this sense, the article will analyze the issue involving both countries in the race involving the monopoly of 5G technology and the restrictions imposed on Huawei – a leading company in this technology today – in order to postpone a probable deployment of Chinese 5G in countries such as Brazil, in which a frequency auction of the National Telecommunications Agency (Anatel) will decide the company to perform such activity, a decision that divides opinions within the current president’s administration. 

Keywords: 5G; United States; China; Brazil; Huawei.

INTRODUÇÃO

  A quinta geração de sistema sem fio (5G) é a questão central da guerra tecnológica que envolve Estados Unidos e China. Assim sendo, o país que detiver o monopólio dessa inovação, que revolucionará as telecomunicações e a sociedade como um todo, será líder em comunicação e em informação, além de exercer o controle sobre a economia mundial nas décadas seguintes, podendo mudar as configurações do tabuleiro mundial.   

Consequentemente, os Estados Unidos, temendo os avanços dos chineses no fornecimento da rede 5G sob a máxima da segurança nacional e a prerrogativa da Lei Internacional de Poderes Econômicos de Emergência, listou, em 2019, empresas estrangeiras que não podem ter acesso à infraestrutura tecnológica estadunidense. Entre elas se encontra a gigante Huawei, empresa chinesa líder no desenvolvimento do 5G, fortemente incentivada pelo investimento do governo chinês que enfrenta duras restrições não só da maior potência mundial, mas também de seus aliados, tendo dificuldades para conquistar novos mercados. 

Dessa maneira, tal inovação se tornou um recurso estratégico para ambos os países, que pressionam o Brasil a se posicionar favorável por um dos lados no leilão de frequências que decidirá a empresa que implementará a tecnologia no país. Essa é uma questão que divide opiniões dentro do governo do presidente Jair Messias Bolsonaro e, possivelmente, impactará economicamente o país. O adiamento do leilão para 2021 devido à pandemia do novo Coronavírus pode beneficiar os Estados Unidos que, ao contrário da China, ainda não foi capaz de desenvolver seu 5G utilizando sua própria tecnologia.

A DISPUTA ENTRE OS ESTADOS UNIDOS E A CHINA PELO 5G

  A disputa que envolve China e Estados Unidos pelo monopólio da tecnologia 5G é a questão central da guerra tecnológica travada por ambos os países. Contudo, primeiramente, é necessário que sejam apontados os motivos que tornarão o 5G uma das maiores revoluções tecnológicas e porque dominá-lo é essencial em termos de poder político e econômico. Assim sendo, a quinta geração de sistema sem fio (5G) será a próxima geração de tecnologia móvel, de modo que a sua efetiva implementação tornará possível realizar downloads e uploads em um espaço de tempo inferior ao que é disponível com o atual 4G, abrangerá maiores alcances, permitindo maior estabilidade nas conexões. Além disso, essa inovação permitirá a consolidação de tecnologias ainda muito incipientes ou inexistentes em diversas partes do mundo, como a robotização, realidade virtual, cidades inteligentes, veículos elétricos e autônomos, cirurgias realizadas à distância, além do estabelecimento da “Internet das Coisas” que permitirá integrar equipamentos do dia a dia à internet e a outros dispositivos, entre eles computadores e smartphones.     

 À vista do exposto, o 5G representará uma revolução nas telecomunicações, o que tornará a empresa e, consequentemente, o país que deter essa tecnologia de ponta, líder em comunicação e em informação. Dessa maneira, é importante destacar algumas dessa questão por trás da guerra tecnológica entre Estados Unidos e China.  Ao anunciar emergência nacional por ameaças às telecomunicações, em maio de 2019, Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, passou a impedir que a infraestrutura tecnológica estadunidense pudesse ser acessada por empresas estrangeiras que ameaçassem a segurança nacional do país. Portanto, a assinatura desta ordem executiva foi sustentada pela Lei Internacional de Poderes Econômicos de Emergência de 1977, que concede permissão para que o presidente controle o comércio diante de ameaça à segurança do território norte-americano. A partir disso, Donald Trump adquiriu poderes para listar empresas que passaram a ser proibidas de negociar com companhias estadunidenses sem que houvesse a aprovação do governo.               

  Dessa maneira, entre as empresas que se insere nesta “lista negra” de comércio está a Huawei, a mais notável empresa multinacional envolvida na corrida pela concessão de tecnologia 5G e pode representar a perda do monopólio tecnológico detido pelos Estados Unidos, haja vista que a partir dessa inovação, o desenvolvimento tecnológico será inteiramente autonomizado, o que permitirá, segundo alegações do governo americano, que o 5G chinês consiga captar dados sensíveis que ameaçarão a segurança nacional dos Estados Unidos, que por esta razão pressionam o Brasil e os demais países para que as antenas que possuem a capacidade de transmitir dados, utilizem tecnologia norte-americana, impedindo que a Huawei tenha acesso aos mercados mundiais, sob alegação da manutenção da segurança nacional dos estados soberanos.                    

  Dessa maneira, a implantação do 5G se tornará um mecanismo estratégico para essas potências, haja vista que o uso ou ameaça da força se tornarão o último recurso para influenciar ou exercer poder sobre o comportamento de outro Estado, em virtude do que Norman Angell (2002), proeminente pensador britânico, chamou de irracionalidade econômica das guerras. Neste sentido, considera-se que todos perdem economicamente com o emprego de meios militares, em razão da interdependência econômica – atualmente muito visível nas relações comerciais entre Estados Unidos e China – dentro de uma conjuntura concernente à uma divisão internacional do trabalho harmônica, pela qual  todos ganham.                                     

   A respeito da dependência mútua entre Estados Unidos e China, é importante destacar que a China foi capaz de se conformar como um novo pólo de dinamismo na economia mundial, passando a demandar commodities e bens primários de países como o Brasil e ofertar bens industriais de maior valor agregado, conseguindo também desenvolver sua capacidade produtiva, aliando financiamento estatal e um tecido industrial que é suficientemente qualificado para exportar todos os bens com inovação para o mundo, principalmente para os Estados Unidos, tornando, assim, a relação entre os dois países profundamente imbricada. Dessa maneira, a disputa tecnológica abrange, sobretudo, a capacidade estratégica dos dois países em difundir a tecnologia 5G mundialmente.   

   Assim sendo, o que se observa é que embora os Estados Unidos concentre gigantes de tecnologia, como o Facebook, Apple e o Google, que são responsáveis por grande parte do desenvolvimento de computadores, smartphones, além de sistemas operacionais e aplicativos, a tendência recente observada na China é que a partir de 2005 foi definido um programa de “inovação autóctone”. Este é caracterizado por associar crescimento e desenvolvimento econômico à inovação, isto é, expandir o know-why – conhecimento da essência e dos princípios implícitos que envolvem o processo de criação, produção e desenvolvimento de determinada tecnologia-,  viabilizar a criação tecnológica a nível nacional sem a necessidade de depender do ocidente para dispor de inovação. Desse modo  as empresas chinesas neste ramo, que anteriormente centralizavam sua produção na fabricação de equipamentos para empresas americanas, atualmente desenvolvem tecnologias de ponta nas mais variadas áreas.                       

  À vista do exposto, é importante destacar que o controle de conexão à internet mundial dentro do território chinês é realizado por meio do Grande Firewall da China. Através das restrições impostas às tecnologias desenvolvidas por empresas americanas, fomentou internamente a indústria digital, haja vista que foi exigido que a população do país usasse somente produtos e serviços locais. Assim, possibilita-se que quatro empresas digitais chinesas estejam entre as dez maiores empresas de tecnologia do mundo, segundo o ranking divulgado em 2020 pela empresa nova-iorquina Investopedia. Todavia, hoje os Estados Unidos é a principal ameaça às empresas tecnológicas chinesas na conquista de novos mercados e na concessão da tecnologia 5G, como é o caso do Brasil.

O 5G NO BRASIL

  O Brasil não possui uma política industrial planejada desde o final da década de 1970 com o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) – estratégia econômica que buscou, por meio de investimentos em infraestrutura e na indústria de bens de capital, consolidar uma cadeia produtiva completa. Desse modo, embora o Brasil tenha atingido sua maturidade industrial no começo dos anos 1980,  a estrutura produtiva brasileira, por ter se voltado para bens de consumo, não foi capaz de acompanhar as mudanças tecnológicas desenvolvidas por outras nações. Como consequência, a tecnologia 5G no Brasil precisa ser concedida de empresas externas, através de um leilão de frequências da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que deve ocorrer em 2021.   

 Dessa forma, o Brasil, por possuir cerca 230 milhões de celulares ativos, é um grande mercado, capaz de definir a liderança na corrida pela cobertura móvel de quinta geração mundialmente. Consequentemente, o governo brasileiro tem sido pressionado por Washington e Pequim no que diz respeito ao leilão do 5G no Brasil. Dessa maneira, os Estados Unidos pedem que a Huawei seja banida do território brasileiro, a fim de impedir que a nova tecnologia seja implantada, alegando falhas internacionais de segurança nos equipamentos da companhia. Por outro lado, o governo da China defende a empresa, solicitando que a gigante das telecomunicações continue a desenvolver suas atividades no país e que todas as acusações são infundadas, ao pressionar o Brasil utiliza como recurso a condição de parque industrial global e o seu importante comércio exterior com o país.       

 Assim sendo, a questão da concessão do 5G em solo brasileiro ainda é incerta e divide opiniões dentro do governo brasileiro. O presidente Jair Bolsonaro e o gabinete de Segurança Institucional, comandado pelo Capitão General Heleno, defendem maior aproximação com os Estados Unidos, embora técnicos do governos, com uma visão mais pragmática, e o vice-presidente Hamilton Mourão tendem a ser mais favoráveis ao outro lado da balança – a China é o maior parceiro comercial do Brasil – defendendo que retirar a Huawei da rede brasileira exigiria elevado custo, além de atrasar a instalação da rede 5G.  

 Dessa maneira, a publicação do edital do processo de licitação do 5G foi adiado várias vezes no Brasil e envolveu uma discussão que se arrastou durante oito meses até ser aprovado no dia 6 de fevereiro de 2020. Contudo, o leilão que possivelmente ocorreria ainda este ano foi adiado em virtude da pandemia da Covid-19, o que pode certamente beneficiar os Estados Unidos, que não possuem ainda a mesma capacidade de desenvolvimento e implementação do 5G que a Huawei. Além disso, adiar a escolha da empresa que terá a licença para consolidar esta inovação, consequentemente, é postergar as retaliações que virão do país que perder essa disputa, o que pode resultar no encolhimento da competitividade brasileira em um contexto futuro, no qual a economia global estará muito mais subordinadas às alterações tecnológicas implementadas pelo 5G.

CONCLUSÃO

  Desde 2005, a China adotou um plano que associa crescimento econômico e inovação, o que permitiu que o país desenvolvesse sua tecnologia nacional, fomentada pelo Grande Firewall chinês e  por grandes investimentos estatais em empresas dessa área, o que viabilizou que a Huawei se tornasse a mais potente empresa a desenvolver e implantar o 5G antes que a maior potência mundial – os Estados Unidos.                            

 Assim sendo, o governo americano, temendo perder sua hegemonia no setor tecnológico, declarou em 2019 que a segurança interna do país estava tecnologicamente ameaçada, de modo a listar empresas estrangeiras proibidas de comercializarem com companhias norte-americanas. Dessa maneira, ações estadunidenses como essas tenderão a ocorrer com frequência, a fim de impedir a continuidade do avanço oriental, principalmente do Dragão chinês, em setores como a tecnologia, sob o qual o predomínio ainda é dos Estados Unidos, que pressionam seus aliados a impedir novos avanços da Huawei nesses países, refreando o 5G fornecido pela gigante das telecomunicações.           

 Nessa disputa, o Brasil se insere de forma secundária, dependendo da tecnologia desses países para poder desfrutar dos benefícios advindos dessa inovação. Por não possuir uma política industrial planejada desde do final dos anos 1970 ou incentivos à pesquisas científicas que lhe possibilite, assim como ocorreu com a China, fica totalmente dependente da tecnologia vinda de terceiros. Dessa maneira, a empresa que introduzirá o 5G ainda é uma grande incógnita, haja vista que a licitação será obtida por meio de um leilão e há discordância internas no governo Bolsonaro que dificultam a escolha entre Washington e Pequim, mas, independentemente de qual lado estabelecer o controle do fornecimento do 5G, o Brasil pode ser afetado economicamente.

REFERÊNCIAS

A DISPUTA tecnológica pelo 5G entre China e Estados Unidos. Intérprete: Fernanda Magnotta, Lucas Leite e Marcel Artioli. Youtube: Canal Em Dupla Com Consulta, 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=HpAFreg0PVY>. Acesso em: 23 set. 2020.

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Giovana Bispo Machado

Estudante de Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista (UNESP)/Campus de Marília e Redatora do 2N.

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