O novo coronavírus e a importância das organizações internacionais

Entre as inúmeras lições que podem ser tiradas da tragédia da difusão do novo coronavírus, nomeado de Sars-CoV-2 e causador da doença intitulada covid-19, está a importância das relações internacionais, não só no sentido estreito de fechamento das fronteiras para a contenção da pandemia, como também em uma visão mais ampla de elaboração de estratégias conjuntas para esclarecimentos e diminuição dos danos.

Sob determinado ângulo das relações internacionais, essa importância está mais bem traduzida pelo papel institucional das organizações internacionais na conformação de determinados arranjos, regimes ou sistemas de governança. Nesse sentido, a difusão internacional do novo coronavírus pôs em evidência uma instituição em especial, a OMS (Organização Mundial da Saúde), a qual tem coordenado esforços multilaterais de diplomacia da saúde para conter a covid-19 desde o surto inicial.

A organização, subordinada à ONU (Organização das Nações Unidas), criada em 1946 e com entrada em vigor em 1948, é a principal responsável pela cooperação internacional na área da saúde. Embora outras entidades empenhem seus esforços na saúde internacional — caso de instituições de alcance global, como o Banco Mundial e a Organização Mundial de Comércio, de alcance regional, como a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) e a quase extinta Unasul (União das Nações Sul-Americanas), e até de fundações privadas —, a OMS se destaca nesse âmbito.

Em relação à covid-19, a OMS foi responsável pela identificação do surto, por videoconferências com médicos chineses, diretamente da província de Wuhan, onde a enfermidade se manifestou primeiramente, e por disseminar os mecanismos de tratamento indicados. Também é por intermédio da organização que são emitidos os principais boletins que indicam a distribuição geográfica dos casos, entre outras atribuições.

O destacado papel da OMS acontece em função da sua liderança na macrocoordenação de esforços internacionais, que tem passado pelos círculos paradiplomáticos da comunidade científica internacional até os círculos diplomáticos dos formadores de políticas públicas em diferentes países, engendrando assim um sistema de transparência e troca de informações, por meio tanto de relatórios diários da situação de difusão do novo coronavírus no mundo, quanto da promoção de conferências médicas e do apoio à Colaboração em Pesquisa Global para Preparação para Doenças Infecciosas (a GLOPID-R), uma iniciativa de 28 países, incluindo o Brasil, de financiamento emergencial de pesquisas no combate à covid-19.

Uma das medidas mais recentes da OMS foi o lançamento do Fundo de Resposta para a covid-19, arrecadando recursos de indivíduos, empresas e instituições para apoiar o enfrentamento da doença. Nas palavras da presidente do fundo, Elizabeth Cousens, “o argumento da cooperação global não poderia ser mais claro – as comunidades em todos os lugares são afetadas e as pessoas querem contribuir. Este novo fundo criará espaço para pessoas de todos os lugares, juntas, combaterem esse vírus”.

Mesmo que eventualmente criticada pelo lag temporal para declarar situação de pandemia global no mês de março de 2020, desde o início do surto na China no final de dezembro de 2019, a rápida e proativa diplomacia da saúde engendrada pela OMS em um contexto emergencial de difusão internacional do novo coronavírus não acontece por acaso. É, antes, o resultado da experiência em uma trajetória histórica em que essa organização internacional esteve previamente envolvida em esforços de macrocoordenação da governança da saúde global em seis surtos com potencial pandêmico (Sars, Mers, pólio, zika, H1N1 e ebola), previamente considerados casos de emergência internacional.

Esse perfil de atuação da OMS está fundamentado em sua própria constituição, que destaca entre seus princípios que “a saúde de todos os povos é uma condição fundamental para se alcançar a paz e a segurança e depende da mais estreita cooperação dos indivíduos e dos Estados”. A atual onda “antiglobalista” tem buscado minimizar a importância da OMS e de outras organizações internacionais, sacrificando parte da cooperação internacional em saúde. A argumentação de que as organizações internacionais são desperdício de dinheiro público e que podem ser substituídas por fóruns de discussão sem sede fixa simplifica um mundo bem mais complexo. As instituições possuem papel fundamental na confiança entre os Estados, sendo responsáveis por acrescentar confiança nas relações internacionais. A OMS foi um agente facilitador para possibilitar que países com regimes políticos mais fechados, como a China e o Irã, colaborassem. Com a ação da agência, a Comissão Nacional de Saúde da China compartilhou informações sobre a epidemia em seu território. No caso do Irã, em que as informações são ainda mais restritas, a OMS enviou uma missão científica para atuar junto ao governo daquele país.

As organizações internacionais, mais especificamente as voltadas para a cooperação internacional em saúde, vêm tendo e terão papel crucial na mitigação dos estragos causados por essa nova doença. Além de conjugarem iniciativas entre a comunidade científica, os governos nacionais e os mais diversos atores, auxiliam no combate às fake news, fornecendo informação confiável. Como expresso no estatuto da OMS, “uma opinião pública bem informada e uma cooperação ativa por parte do público são de suma importância para o melhoramento da saúde dos povos”.

Ricardo Luigi é geógrafo e internacionalista, professor da UFF (Universidade Federal Fluminense).

Elói Martins Senhoras é economista e cientista político, professor da UFRR (Universidade Federal de Roraima).

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